Os impactos da inflação de gêneros alimentícios em 2022 já estão sendo sentidos e o cenário para 2023 ainda é incerto. 

De acordo com a consultoria da ABERC especializada em medir a inflação de alimentos para empresas de coletividade, incluindo café da manhã, almoço e jantar, a inflação acumulada nos últimos 12 meses chegou a 27,5% em maio deste ano. Isso se deve em grande parte ao aumento da procura por alimentos, ocasionado pelo auxílio emergencial, o que gerou uma grande demanda, enquanto as empresas e fornecedores produziram uma quantidade menor, o que elevou os preços, além de uma desorganização no setor produtivo.

Com base na situação econômica do país e visando ampliar os horizontes para os gestores das empresas de refeições coletivas, conversamos com José Carlos Lucentini Baeza.

José Carlos Lucentini Baeza é um renomado economista brasileiro com vasta experiência na área de previsão e análise de inflação. Ele é graduado em Ciências Contábeis e Administração de Empresas pelo Mackenzie, MBA  pela Universidade de São Paulo (USP), e mestrado em Controladoria Estratégica pela FECAP. 

Lucentini, foi executivo da área Financeira em empresas multinacionais, sempre na área de alimentação, foi professor universitário nas áreas de graduação, pós-graduação e MBA, tendo lecionado, dentre outras disciplinas, Economia Brasileira.

Com sua expertise e conhecimento aprofundado em inflação e economia brasileira, José Carlos Lucentini Baeza é uma referência importante para entendermos as tendências e perspectivas do mercado de alimentação coletiva em um cenário de alta inflação. 

Neste artigo, José explora como a previsão de inflação afeta esse setor e como as empresas podem se preparar para enfrentar os desafios econômicos.

Os preços dos alimentos subiram por conta da busca por insumos, embalagens e até mesmo combustível, que também estava caro, e isso impactou a inflação.

Todavia, a questão de valores de alimentos muda muito de um mês para o outro. Por exemplo, você compra uma proteína bovina que sai mais barato, mas a peça requer muita limpeza e não tem rendimento para o prato. Ou seja, você comprou mais barato, mas o que vai para o prato sai mais caro.

“Falta na área de compras e operações um envolvimento  muito grande, pois na empresa tudo são vasos comunicantes. Há um negócio chamado PCP no meio, e isso faz com que cada um olhe para o seu lado e não para a empresa como um todo. As empresas acabam tendo uma queda de lucratividade e mexem no cardápio, o que gera repetição e desconforto para o cliente.”

Em uma oportunidade de atuar em uma empresa multinacional muito grande, tínhamos uma inflação alta. Eu sugeri a eles que quebrassem os reajustes, determinando que a alimentação seria reajustada a cada 4 meses, e a mão de obra, quando tivesse dissídio e outros custos indiretos, uma vez por ano pelo GPM. 

O Hortifruti Granjeiro, que é o produto mais sensível do prato, sofreu com as questões de safra, se chove ou faz muito sol dependendo da região, o preço do produto sobe e a qualidade cai, então é preciso comprar mais quantidade.

Quando há um aumento nos custos e o reajuste de preços é menor, a lucratividade acaba diminuindo. Isso pode afetar especialmente as empresas menores, cujos donos muitas vezes não têm uma boa compreensão do mercado. Ao tentar mexer no cardápio para compensar, acabam causando insatisfação no cliente, o que pode levar à perda de clientes.

Muitos empresários definem seus preços sem levar em conta a conjuntura econômica que se avizinha. Quando o contrato começa, eles não têm uma ideia clara de como a situação vai se comportar, pois há a inflação mensal e o reajuste anual de preços. Isso pode acabar prejudicando a margem de lucro ao longo do tempo.

Como fui diretor de vendas da GRSA por 7 anos, pude presenciar um jogo de rouba-monte que acontece no setor de alimentação. Uma empresa tenta roubar um cliente da outra reduzindo o preço, investindo mais ou dando prazos maiores. Isso causa uma crise no segmento como um todo, pois cada empresa está tentando roubar espaço das outras, cuja ação acaba diminuindo a lucratividade de todo o segmento de alimentação corporativa.

Outra questão importante é a do custo do dinheiro, com a SELIC sempre sendo uma preocupação. Existem dois tipos de inflação: a inflação de demanda, que é mais impactada pela SELIC, e a inflação de custos. A inflação de custos é difícil de ser reduzida pelo governo, e a reforma tributária que está sendo discutida atualmente não parece ser uma solução satisfatória.

Mesmo com um aumento nos preços de custos de 27,5% em doze meses, muitas empresas repassam apenas o IPCA que é menor que a inflação real, que na época era próximo a 10%, o que acaba desequilibrando as contas no curto, médio prazos e coloca em risco a continuidade da empresa no longo prazo. É necessário fazer algo diferente pelo segmento como um todo, e não apenas pelas empresas individuais.

Além da questão econômica do reajuste, há também o problema do capital de giro. Muitas empresas acabam dando prazos longos para os clientes, o que pode gerar um desequilíbrio financeiro no curto prazo, pois há preocupação com a venda e não com o ciclo financeiro. Por exemplo, um prazo de 90 dias para pagamento, pode significar que a empresa paga 3 vezes os fornecedores, 3 vezes a folha de pagamento, além de impostos, antes de receber o faturamento a 90 dias.

Também há a questão do investimento em equipamentos, muitas vezes sem um cálculo adequado do payback descontado, o que pode levar a decisões equivocadas. Como exemplo, se a empresa realiza um projeto de investimentos que se paga em 24 meses, significa que o projeto está “se pagando” a partir do 25º mês, portanto, para obter uma boa remuneração que contribua para o crescimento sustentado, o contrato deveria ser de 48 meses (50% do pay back).

Enfim, o setor precisa sair da mesmice e adotar uma abordagem mais estratégica, com planejamento e análise para garantir a qualidade e a sustentabilidade das empresas do setor.

 

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